Recentes publicações na mídia mostraram pessoas destruindo seus próprios veículos, supostamente irregulares, após serem abordados em fiscalização por agentes de trânsito. O assunto esquentou inúmeros debates em chats com foco no drama vivido pelo suposto infrator, no intuito de destruir aquele bem que, a toda evidencia, não voltaria a vê-lo.
Ocorre que ao mesmo tempo que buscamos entender a indignação dos supostos infratores em querer destruir seus bens, devemos fazer uma reflexão sobre o papel da autoridade naquele momento, que assiste a destruição sem promover qualquer ato.
A fiscalização de trânsito é uma ferramenta essencial para a manutenção da ordem, segurança e fluidez nas vias públicas. Contudo, em cenários de apreensão de veículos irregulares, frequentemente surgem situações complexas, como a tentativa deliberada de destruição do bem pelo próprio proprietário e a discussão acerca da responsabilidade da autoridade de trânsito sobre a custódia do veículo.
Este artigo explora tais questões, com especial atenção ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e à Resolução CONTRAN nº 623/2016, abrangendo inclusive os casos de transporte clandestino de pessoas.
A Destruição do Veículo no Ato da Apreensão: Implicações Legais
A reação de um indivíduo que imbuído do sentimento de raiva, danifica ou destrói seu próprio veículo no momento da fiscalização, com o intuito deliberado de obstar a medida administrativa de remoção ou incapacita-lo para ser reutiliza-lo, representa uma afronta direta à autoridade pública e ao ordenamento jurídico. Embora o bem seja de sua propriedade, a ação ocorre em um contexto de exercício do poder de polícia estatal.
Tal conduta pode configurar diversos ilícitos. Primeiramente, a tentativa de impedir a atuação legítima dos agentes de trânsito pode ser enquadrada como crime de desobediência, previsto no Artigo 330 do Código Penal, ou mesmo resistência, conforme o Artigo 329 do mesmo diploma legal, caso haja violência ou grave ameaça contra o funcionário público.
Ademais, se a destruição resultar em dano a equipamentos públicos ou ao patrimônio alheio, configura-se o crime de dano, disposto no Artigo 163 do Código Penal, podendo ser qualificado caso seja contra o patrimônio da União, Estado, Município ou autarquia.
A ação de destruição, ainda que sobre um bem próprio, frustra um ato administrativo legalmente previsto, que visa a regularidade e segurança do trânsito.
A Responsabilidade da Autoridade na Custódia do Veículo Removido
Considerando que o ato administrativo emanado por autoridade na abordagem em fiscalização, tem por motivação a regularidade e a segurança no trânsito, qualquer ato administrativo secundário emanado pela mesma autoridade estará umbilicalmente vinculado ao primeiro.
Uma vez constatada a irregularidade e determinada a medida administrativa de remoção, a autoridade de trânsito tem a responsabilidade pela custódia do veículo, mesmo que o ônus desta seja do infrator.
O Artigo 269 do CTB elenca as medidas administrativas que a autoridade de trânsito ou seus agentes devem adotar, dentre as quais a retenção e a remoção do veículo. Vejamos:
“Art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá adotar as seguintes medidas administrativas:
I – retenção do veículo;
II – remoção do veículo;
O Artigo 271 do CTB detalha os procedimentos para a remoção, estabelecendo que, sempre que uma infração de trânsito for constatada e houver previsão legal para a remoção, o veículo poderá ser removido a depósito público até que a irregularidade seja sanada e os encargos sejam quitados.
“Art. 271. O veículo será removido, nos casos previstos neste Código, para o depósito fixado pelo órgão ou entidade competente, com circunscrição sobre a via.”
A autoridade de trânsito, ou a entidade por ela contratada, passa a ser o depositário fiel do bem, com o dever de guarda e zelo. A restituição do veículo está condicionada ao prévio pagamento de multas, taxas e despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos em legislação específica.
É crucial diferenciar a apreensão do veículo da remoção. A apreensão, como penalidade, foi revogada pela Lei nº 13.281/2016, que alterou o CTB. Atualmente, a medida administrativa cabível é a remoção, que implica no deslocamento do veículo para um depósito para que a irregularidade seja sanada.
A inobservância das normas implica o agente público em infrações disciplinares passiveis de sindicância.
O Transporte Clandestino de Pessoas e a Remoção
Nos casos de transporte remunerado irregular de pessoas ou bens, quando o veículo não for licenciado para esse fim, o Artigo 231, inciso VIII, do CTB estabelece como infração gravíssima, com penalidade de multa e medida administrativa de remoção do veículo.
“Art. 231. Transitar com o veículo:
VIII – efetuando transporte remunerado de pessoas ou bens, quando não for licenciado para esse fim, salvo casos de força maior ou com permissão da autoridade competente:
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa;Medida administrativa – remoção do veículo;”
Uma particularidade importante para essa infração é que, de acordo com o § 9º-B do Artigo 271 do CTB, a possibilidade de sanar a irregularidade no local da infração e evitar a remoção do veículo, não se aplica a esta infração (Art. 231, VIII). Isso significa que, mesmo sendo desembarcados os passageiros, o veículo ainda será removido ao depósito. Essa previsão legal reforça a seriedade da conduta e a necessidade de interromper de forma mais efetiva a atividade irregular.
Embora haja debates judiciais sobre a liberação de veículos retidos por transporte irregular de passageiros condicionada ao pagamento de multas, a legislação de trânsito é explícita quanto à remoção.
A Resolução CONTRAN nº 623/2016: Uniformização e Zelo
A Resolução CONTRAN nº 623, de 6 de setembro de 2016, desempenha um papel fundamental na uniformização dos procedimentos administrativos de remoção, custódia e realização de leilão de veículos apreendidos. Ela visa integrar e adequar as práticas dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito (SNT) aos termos dos Artigos 271 e 328 do CTB.
A Resolução define “custódia de veículos” como o procedimento administrativo de guarda e zelo de veículo recolhido a local apropriado. Isso significa que o órgão responsável pela ordem de constrição e depósito, seja ele público ou privado (credenciado ou contratado por licitação), tem a obrigação de cuidar da integridade do bem.
A norma estabelece, ainda, os procedimentos e prazos para a custódia e para o eventual leilão dos veículos que não forem reclamados, conforme o Artigo 328 do CTB.
Vale frisar que o ato do leilão administrativo é de interesse da sociedade, haja vista ser oriundo de constrição aplicada por descumprimento de uma norma geral de conduta,, tendo como propósito de adimplir com as obrigações do infrator, como para cumprir o ideal de regularidade e segurança no trânsito.
Conclusão
A fiscalização de trânsito e a aplicação das medidas administrativas são pilares para a segurança viária. A destruição de um veículo irregular pelo proprietário no ato da apreensão não apenas é um ato ilícito, passível de sanções criminais e administrativas, mas também demonstra uma tentativa de frustrar a ordem legal.
Por outro lado, a responsabilidade da autoridade de trânsito sobre a custódia do veículo removido é clara e bem definida pelo CTB e pela Resolução CONTRAN nº 623/2016. Essa responsabilidade impõe o dever de guarda e zelo, assegurando a integridade do bem enquanto estiver sob custódia do Estado ou de seus contratados.
Casos como o transporte clandestino, que recebem tratamento específico e mais rigoroso em relação à remoção, reforçam a necessidade de que o sistema de fiscalização e custódia seja robusto e eficiente, protegendo não apenas o patrimônio, mas a própria segurança e bem-estar da coletividade.
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